Maycon Bezerra de Almeida é bacharel e licenciado em Ciências Sociais na UERJ, mestrando em Sociologia Política pela UENF; professor de Sociologia no Instituto Federal Fluminense-Campus Cabo Frio. Além de ministrar aulas, Maycon divide seu tempo na formação de seus dois filhos e as manifestações que estão acontecendo no Rio de Janeiro. A FENET foi ouvir sua contribuição e avaliação sobre a educação e a nova conjuntura brasileira.
Nos últimos anos o governo ampliou o número de vagas nas
escolas técnicas com os chamados Institutos Federais. Em 2011 e 2012 os
educadores construíram as maiores greves da educação nos ultimos 10 anos. Para
voce qual é o motivo de uma rede tão nova enfrentar duas greves seguidas?
Certamente isso está relacionado com o caráter
precário da constituição e expansão da rede, com as contradições profundas
entre o que o projeto original prometia e o que a realidade efetiva permite
fazer. Uma grande quantidade de educadores e educadoras, oriundos das redes
privadas, estaduais ou municipais de ensino, pelo país afora, enfrentaram os
concursos públicos dos IFETs (Institutos Federais) com a expectativa de poderem exercer sua
profissão, com dignidade e alguma valorização, na rede que se apresentava como
de excelência e como uma experiência de vanguarda na política educacional do
país. Uma vez incorporados à rede dos IFETs, todos nós (também sou parte disso)
pudemos tomar consciência das contradições entre discurso e realidade. Não se
trata apenas das condições salariais e de carreira, cada vez mais defasadas e
insuficientes a cada ano que passa, mas também das precárias condições de
trabalho em instalações amplamente inadequadas, fruto da perspectiva de
expansão quantitativa da rede sem preocupação qualitativa. Na verdade, do ponto de vista dos professores
da rede, a luta é pelo direito ao exercício do magistério com dignidade, porque
se a rede federal de educação, que é a menos precarizada, se encontra como
está, não resta outra alternativa a não ser lutar.
É verdade também que o governo Federal ampliou as vagas
na rede do Sistema S através do Pronatec (Veja o que é o Pronatec: http://migre.me/gwA9a). Como educador, quais são suas
críticas ao fortalecimento da iniciativa privada na educação?
A educação escolar é um direito que deve ser
assegurado a todos os cidadãos e cidadãs, de forma igualitária. Além do mais é
um direito democrático essencial, na ausência do qual a “democracia” se torna
uma palavra completamente destituída de conteúdo efetivo, bem ao gosto dos
representantes políticos e intelectuais da burguesia. Sendo assim, a educação
escolar como direito democrático essencial precisa ser assegurada pelo poder
público, no âmbito da esfera pública. A conversão da educação escolar em uma
mercadoria a ser vendida aos consumidores
por empresas capitalistas é a degeneração completa do que a educação escolar é
e tem de ser. O Pronatec já nasce como expressão da concepção privatista de
educação da cúpula dirigente do PT no governo, ao mesmo tempo responde às
pressões do sistema S. Ao invés de investir no fortalecimento de uma rede
pública federal de excelência na educação, capaz de servir de plataforma para
uma ampla reforma da educação pública no país, o governo Dilma escolhe
transferir somas fabulosas de recursos públicos para financiar a rede privada e
patronal de escolas profissionalizantes.
Há uma decidida opção de classe nessa escolha, e os trabalhadores devem
ter clareza que vai contra os seus interesses. No entanto, o Pronatec ainda é
nocivo à rede dos IFETs por uma outra razão: os cursos do programa que são oferecidos
em nossas instituições remuneram os professores por hora-aula e “por fora”,
combinando isso com a precariedade do plano de carreira e remuneração, o
Pronatec tende a converter os professores em “garimpeiros de aulas” e não em
profissionais de carreira.
A escola técnica tem uma relação direta com o mercado de
trabalho. Para você até onde essa relação é saudável? Qual é o limite que há
entre a formação técnica de qualidade e o apertador
de parafuso?
Penso que é necessário evitar a concepção metafísica,
disfarçada de marxismo, que ignora que o trabalho, no capitalismo, é absorvido
pela lógica do mercado e convertido em força de trabalho. É uma necessidade
premente libertar o trabalho e os trabalhadores da sujeição ao capital, mas
isso não poderá ser realizado até que os meios de produção sejam socializados e
que a produção econômica tenha sido submetida a uma planificação reacional por
parte dos trabalhadores no poder. Dito isso, acho importante deixar claro que o
ensino técnico e a educação profissional não podem servir à reprodução do
dualismo educacional tradicional: para os ricos, escola para o saber, para os
pobres, escola para o trabalho.
A integração da educação básica com o ensino
técnico, tecnológico e profissionalizante, levada a sério, aponta para a
superação desse dualismo e expressa a idéia de que a escola deve formar os
estudantes como indivíduos, cidadãos e trabalhadores, levando em consideração
as diferentes dimensões do educando, como totalidade concreta. No entanto, se
essa é a perspectiva defendida pelos educadores comprometidos com os interesses
históricos da classe trabalhadora, certamente não é o mesmo ponto de vista
defendido pelos representantes dos interesses dos capitalistas. Esses defendem
uma escola técnica subordinada a seus interesses de classe, ou seja, uma escola
técnica voltada exclusivamente à “qualificação da mão-de-obra”, ou melhor, à
massificação de trabalhadores qualificados de modo a fazer cair o preço médio
de sua força de trabalho.
No que se refere aos IFETs, começa a avançar a
passos largos a noção de que as escolas da rede devem buscar financiamento
junto a empresas que se interessem em servir-se dos recursos materiais e
humanos de que a rede dispõe (recursos públicos, é bom não esquecer) para seus
projetos de inovação. Aqui se trata não apenas de subordinar a formação
profissional dos estudantes da rede aos interesses particulares dessa ou
daquela empresa, mas é algo que vai além, trata-se de uma privatização branca da própria rede.
Muitos jovens foram às ruas exigindo qualidade na saúde,
educação, melhoria no transporte público e etc. Você acha que depois das
jornadas de junho, a consciência da juventude será a mesma?
O levante juvenil-popular de junho mudou o país.
Nunca mais ninguém poderá duvidar da capacidade política do povo brasileiro de
ir às ruas, enfrentar as forças da ordem, para defender seus direitos e
interesses, nem o próprio povo. A vanguarda das lutas de junho, e do ciclo
aberto desde então, é a juventude, sem dúvidas. As fronteiras do possível foram
e estão sendo alargadas, não será possível para as classes dominantes desse
país, seguir governando como se administra uma fazenda de escravos. Que a
juventude siga nas ruas com seus sonhos e exigências para construirmos um país
à altura do heroísmo de nosso povo.
Após as manifestações de junho, foi muito propalado a
“crise representativa”. Para você, a crise é representativa ou é estrutural do
sistema?
Penso que estamos diante de uma crise do regime
político pseudo-democrático da burguesia. A rígida subordinação das forças
políticas do regime às necessidades e interesses exclusivos do grande capital
“transnacional e associado” impede que possam responder positivamente aos
clamores populares. Nos marcos de uma incorporação dependente e subordinada ao
capitalismo global, em sua fase ultra-financeirizada, não há possibilidade de
sustentar o modelo econômico e social vigente – e defender seus beneficiários –
e, ao mesmo tempo, assegurar condições dignas de vida e direitos de cidadania
às amplas maiorias da população.
O trabalho super-explorado e a captura rentista do
fundo público são dois pilares de sustentação desse modelo, e sua
reprodução exige o permanente fechamento das portas dos palácios governamentais
às mais elementares exigências do povo trabalhador. Os privilégios da classe
dominante são apresentados e defendidos, pelas forças políticas do regime, como
se fossem os interesses de toda a nação, sendo assim, sua segurança é imposta à
sociedade como “segurança nacional”, com todos os desdobramentos inaceitáveis
que isso acarreta.
Penso que é necessária a construção de uma sólida
unidade entre a luta dos estudantes, dos trabalhadores e da maioria do povo
brasileiro, de modo a derrotar a “velha política” e derrubar o regime político
da burguesia. Só assim, construindo uma ampla e verdadeira democracia popular,
seremos capazes de garantir que os interesses da maioria governem e que os
direitos de todos possam ser assegurados.
Qual é o seu recado para a juventude brasileira,
principalmente aos estudantes de escolas técnicas?
Só a luta muda a vida!
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