domingo, 3 de novembro de 2013

"A conversão da educação em uma mercadoria a ser vendida aos consumidores por empresas capitalistas, é a degeneração completa da educação"


Maycon Bezerra de Almeida é bacharel e licenciado em Ciências Sociais na UERJ, mestrando em Sociologia Política pela UENF; professor de Sociologia no Instituto Federal Fluminense-Campus Cabo Frio. Além de ministrar aulas, Maycon divide seu tempo na formação de seus dois filhos e as manifestações que estão acontecendo no Rio de Janeiro. A FENET foi ouvir sua contribuição e avaliação sobre a educação e a nova conjuntura brasileira.



Nos últimos anos o governo ampliou o número de vagas nas escolas técnicas com os chamados Institutos Federais. Em 2011 e 2012 os educadores construíram as maiores greves da educação nos ultimos 10 anos. Para voce qual é o motivo de uma rede tão nova enfrentar duas greves seguidas?
Certamente isso está relacionado com o caráter precário da constituição e expansão da rede, com as contradições profundas entre o que o projeto original prometia e o que a realidade efetiva permite fazer. Uma grande quantidade de educadores e educadoras, oriundos das redes privadas, estaduais ou municipais de ensino, pelo país afora, enfrentaram os concursos públicos dos IFETs (Institutos Federais) com a expectativa de poderem exercer sua profissão, com dignidade e alguma valorização, na rede que se apresentava como de excelência e como uma experiência de vanguarda na política educacional do país. Uma vez incorporados à rede dos IFETs, todos nós (também sou parte disso) pudemos tomar consciência das contradições entre discurso e realidade. Não se trata apenas das condições salariais e de carreira, cada vez mais defasadas e insuficientes a cada ano que passa, mas também das precárias condições de trabalho em instalações amplamente inadequadas, fruto da perspectiva de expansão quantitativa da rede sem preocupação qualitativa.  Na verdade, do ponto de vista dos professores da rede, a luta é pelo direito ao exercício do magistério com dignidade, porque se a rede federal de educação, que é a menos precarizada, se encontra como está, não resta outra alternativa a não ser lutar.

É verdade também que o governo Federal ampliou as vagas na rede do Sistema S através do Pronatec (Veja o que é o Pronatec: http://migre.me/gwA9a). Como educador, quais são suas críticas ao fortalecimento da iniciativa privada na educação?
A educação escolar é um direito que deve ser assegurado a todos os cidadãos e cidadãs, de forma igualitária. Além do mais é um direito democrático essencial, na ausência do qual a “democracia” se torna uma palavra completamente destituída de conteúdo efetivo, bem ao gosto dos representantes políticos e intelectuais da burguesia. Sendo assim, a educação escolar como direito democrático essencial precisa ser assegurada pelo poder público, no âmbito da esfera pública. A conversão da educação escolar em uma mercadoria  a ser vendida aos consumidores por empresas capitalistas é a degeneração completa do que a educação escolar é e tem de ser. O Pronatec já nasce como expressão da concepção privatista de educação da cúpula dirigente do PT no governo, ao mesmo tempo responde às pressões do sistema S. Ao invés de investir no fortalecimento de uma rede pública federal de excelência na educação, capaz de servir de plataforma para uma ampla reforma da educação pública no país, o governo Dilma escolhe transferir somas fabulosas de recursos públicos para financiar a rede privada e patronal de escolas profissionalizantes.  Há uma decidida opção de classe nessa escolha, e os trabalhadores devem ter clareza que vai contra os seus interesses. No entanto, o Pronatec ainda é nocivo à rede dos IFETs por uma outra razão: os cursos do programa que são oferecidos em nossas instituições remuneram os professores por hora-aula e “por fora”, combinando isso com a precariedade do plano de carreira e remuneração, o Pronatec tende a converter os professores em “garimpeiros de aulas” e não em profissionais de carreira.
A escola técnica tem uma relação direta com o mercado de trabalho. Para você até onde essa relação é saudável? Qual é o limite que há entre a formação técnica de qualidade e o apertador de parafuso?
Penso que é necessário evitar a concepção metafísica, disfarçada de marxismo, que ignora que o trabalho, no capitalismo, é absorvido pela lógica do mercado e convertido em força de trabalho. É uma necessidade premente libertar o trabalho e os trabalhadores da sujeição ao capital, mas isso não poderá ser realizado até que os meios de produção sejam socializados e que a produção econômica tenha sido submetida a uma planificação reacional por parte dos trabalhadores no poder. Dito isso, acho importante deixar claro que o ensino técnico e a educação profissional não podem servir à reprodução do dualismo educacional tradicional: para os ricos, escola para o saber, para os pobres, escola para o trabalho.
A integração da educação básica com o ensino técnico, tecnológico e profissionalizante, levada a sério, aponta para a superação desse dualismo e expressa a idéia de que a escola deve formar os estudantes como indivíduos, cidadãos e trabalhadores, levando em consideração as diferentes dimensões do educando, como totalidade concreta. No entanto, se essa é a perspectiva defendida pelos educadores comprometidos com os interesses históricos da classe trabalhadora, certamente não é o mesmo ponto de vista defendido pelos representantes dos interesses dos capitalistas. Esses defendem uma escola técnica subordinada a seus interesses de classe, ou seja, uma escola técnica voltada exclusivamente à “qualificação da mão-de-obra”, ou melhor, à massificação de trabalhadores qualificados de modo a fazer cair o preço médio de sua força de trabalho.
No que se refere aos IFETs, começa a avançar a passos largos a noção de que as escolas da rede devem buscar financiamento junto a empresas que se interessem em servir-se dos recursos materiais e humanos de que a rede dispõe (recursos públicos, é bom não esquecer) para seus projetos de inovação. Aqui se trata não apenas de subordinar a formação profissional dos estudantes da rede aos interesses particulares dessa ou daquela empresa, mas é algo que vai além, trata-se  de uma privatização branca da própria rede.
Muitos jovens foram às ruas exigindo qualidade na saúde, educação, melhoria no transporte público e etc. Você acha que depois das jornadas de junho, a consciência da juventude será a mesma?
O levante juvenil-popular de junho mudou o país. Nunca mais ninguém poderá duvidar da capacidade política do povo brasileiro de ir às ruas, enfrentar as forças da ordem, para defender seus direitos e interesses, nem o próprio povo. A vanguarda das lutas de junho, e do ciclo aberto desde então, é a juventude, sem dúvidas. As fronteiras do possível foram e estão sendo alargadas, não será possível para as classes dominantes desse país, seguir governando como se administra uma fazenda de escravos. Que a juventude siga nas ruas com seus sonhos e exigências para construirmos um país à altura do heroísmo de nosso povo.

Após as manifestações de junho, foi muito propalado a “crise representativa”. Para você, a crise é representativa ou é estrutural do sistema?
Penso que estamos diante de uma crise do regime político pseudo-democrático da burguesia. A rígida subordinação das forças políticas do regime às necessidades e interesses exclusivos do grande capital “transnacional e associado” impede que possam responder positivamente aos clamores populares. Nos marcos de uma incorporação dependente e subordinada ao capitalismo global, em sua fase ultra-financeirizada, não há possibilidade de sustentar o modelo econômico e social vigente – e defender seus beneficiários – e, ao mesmo tempo, assegurar condições dignas de vida e direitos de cidadania às amplas maiorias da população.
O trabalho super-explorado e a captura rentista do fundo público são dois pilares de sustentação desse modelo, e sua reprodução exige o permanente fechamento das portas dos palácios governamentais às mais elementares exigências do povo trabalhador. Os privilégios da classe dominante são apresentados e defendidos, pelas forças políticas do regime, como se fossem os interesses de toda a nação, sendo assim, sua segurança é imposta à sociedade como “segurança nacional”, com todos os desdobramentos inaceitáveis que isso acarreta.
Penso que é necessária a construção de uma sólida unidade entre a luta dos estudantes, dos trabalhadores e da maioria do povo brasileiro, de modo a derrotar a “velha política” e derrubar o regime político da burguesia. Só assim, construindo uma ampla e verdadeira democracia popular, seremos capazes de garantir que os interesses da maioria governem e que os direitos de todos possam ser assegurados.
Qual é o seu recado para a juventude brasileira, principalmente aos estudantes de escolas técnicas?
Só a luta muda a vida!



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